sexta-feira, 8 de abril de 2011

Da vida de aposentado para o aplauso nos palcos




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VIDA E CIDADANIA - Terceira Idade

Arte

Da vida de aposentado para o aplauso nos palcos

Grupo de teatro de São Simão, no interior de São Paulo, aposta na maturidade e mostra que não há idade para receber aplausos


Publicado em 07/04/2011 | Vanessa Prateano

Daqui a alguns anos, a cidade de São Simão, no interior de São Paulo, poderá entrar para a história como a terra das oportunidades. Com 15 mil habitantes, poucas indústrias e um “jeitão de vila”, como diz um de seus moradores, a cidade não costuma segurar muito os adolescentes e adultos na faixa dos 30 a 40 anos – a maioria migra para municípios ao redor, como Ribeirão Preto, para estudar e arranjar emprego. A oportunidade de que se fala é outra, e é dada a quem já disse adeus à carteira de trabalho. Há 25 anos, o Grupo Delirivm (lê-se “delirium”) Teatro de Dança fisga os idosos de São Simão e transforma-os em atores. Nesse tempo, o grupo já viu “nascer” 32 deles.



A debandada dos jovens da cidade foi, inclusive, a inspiração para que o bailarino João Roberto de Souza, conhecido como João Butoh, criasse o grupo em 1986. “Até então, trabalhávamos com os jovens, mas, quando eles terminavam o ensino médio, muitos iam embora para Ribeirão Preto para estudar e prestar vestibular. E o projeto perdia força. Aí, resolvemos apostar na terceira idade. O resultado foi gratificante”, diz. Ao longo desses 25 anos, a trupe se tornou conhecida, ganhou prêmios, viajou por vários estados e entre o fim de março e o começo deste mês esteve em Curitiba para participar pela terceira vez da Mostra Fringe, do Festival de Teatro de Curitiba.



Preparação

Atores estudaram por um ano



Embora criado para aplacar a solidão de quem frequentava o Clube Renascer nos idos de 1980, o Delirivm é também um compromisso para o diretor e os atores. Para a última peça, chamada E toda vez que ele passa vai levando qualquer coisa minha, os atores passaram mais de um ano estudando com a ajuda de professores do curso de Artes Cênicas da Universidade de São Paulo. Para a peça (que conta histórias do tempo em que a economia e a vida social da cidade giravam em torno do trem), os atores visitaram a vila férrea de Paranapiacaba, em Santo André (SP), tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em uma espécie de “residência”.



A experiência de vida e a relação com a cidade daquela época foram fundamentais para dar vida aos personagens. No caso de Cátia Buono, a inspiração veio de uma vizinha “surda, muda e enxerida” que a atriz conheceu na juventude no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. Já Cida trouxe para o palco as memórias de infância. O pai era ferroviário e a família morava em uma parada entre duas estações. “Cresci dentro do trem, e era de trem que eu ia para a escola”, diz. Uma professora de piano da infância foi a inspiração de Stella e, para Francisco, as viagens de trem entre Santos e São Simão feitas nas férias.



As memórias de uma colega já falecida também ajudaram. Pouco antes de morrer, a aposentada Inês Barrero contou aos colegas que na adolescência namorou um rapaz de Batatais. O namoro não vingou e ela se casou com outro. Na montagem, o vestido de noiva com o qual ela esperava entrar na igreja foi representado em cena.
Um dos primeiros grupos de teatro formado inteiramente por idosos, o Delirivm foi viabilizado por meio de uma parceria entre o centro cultural Ogawa Butoh Center, mantido pelo diretor, e o Clube da Terceira Idade Renascer, mantido pela prefeitura, onde Butoh “convoca” os membros do grupo. O resultado pode ser visto no sucesso feito na cidade, nos convites para participar de festivais no interior de São Paulo, no Uruguai e na Ale­manha e nas histórias que surgem após alguns minutos de conversa com os atores.



“Eu costumo dizer que eu ganho mais do que ofereço. O resultado que alcançamos é incrível, fruto da experiência. Esses atores têm uma força no palco que só a história de vida justifica”, diz Butoh, de 46 anos. O grupo já realizou mais de 20 espetáculos, entre os de curta e longa duração, e atualmente viaja com a peça “E toda vez que ele passa vai levando qualquer coisa minha”, sobre histórias vividas pelos habitantes da cidade junto à estrada de ferro do lugar, que nos primeiros anos do século 20 gerou empregos na cidade e foi responsável pelo escoamento da safra de café.



Em conversa por telefone, enquanto ensaiavam, alguns dos atores conversaram com a Gazeta do Povo e contaram sobre a experiência. Leia ao lado.

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